terça-feira, 11 de junho de 2013

Uma viagem no tempo com Vanda Furtado Marques

Através do reconto da história de O monge detetive na abadia de Alcobaça, Vanda Furtado Marques conduziu os alunos do 3.º e 4.º anos do Centro Escolar Poeta Ruy Belo de Rio Maior numa autêntica viagem no tempo até aos obscuros tempos medievais.
 
Sabe explicar a diferença entre um monge branco e um monge barbati? O que eram as ordens religiosas? Como se chamava o patrono da ordem de Cister? Qual o significado do escapulário que os monges envergavam? Qual a função das gárgulas no cimo das igrejas e conventos para além da de escoar a água? Qual a origem concreta da expressão sangue azul? Para que serviam as siglas, ou pedras que chegam a ter quinhentos sinais, na construção de abadias e mosteiros? Onde se aplicavam as iluminuras nos códices de pergaminho?
 
Todas estas respostas nos foram dadas no dia 11 de Junho de 2013 pela escritora Vanda Furtado Marques que gentilmente acedeu ao nosso convite para dinamizar uma sessão de promoção do livro e da leitura tendo por base a sua obra O monge detetive na abadia de Alcobaça.

Brilhante contadora de histórias, Vanda Furtado Marques aproveita a sua formação enquanto docente para enriquecer com pormenores históricos as suas narrativas.
 
A narrativa tem como personagem principal Filipe, um jovem monge noviço cisterciense, que sonha ser cavaleiro e partir para terras longínquas e cujo imaginário se centra nos cavaleiros da Távola Redonda e do Rei Artur.

O bravo e nobre Filipe acaba por cumprir o sonho de um destino especial ao embarcar numa série de excitantes aventuras que envolvem uma caça ao maior tesouro da Península Ibérica - onde não faltam enigmas para decifrar, preciosos pergaminhos, livros mágicos que só se deixam ler pelos que têm coração puro, mecanismos e passagens secretas, perseguições, visões místicas e profecias, e até personagens históricas como D. Nuno Álvares Pereira -, e culminam na descoberta de um golpe do Rei de Castela para assassinar D. João I.

Dentre as muitas lições de história que estas sessões proporcionaram aos nossos alunos, ficou ainda perene o valor inestimável dos livros enquanto relicários imutáveis da memória. Também, e dá que pensar, a ideia de que nós não escolhemos os livros mas que estes escolhem os seus guardiões.
 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

"Ler para os mais velhos"- 3.ª sessão

Decorreu no dia 7 de junho de 2013 a terceira sessão do Projeto "Ler para os mais velhos". Vejam alguns desses momentos:


quarta-feira, 15 de maio de 2013

"Bons-dias maria teresa até depois"



“Que por todos se faça a poesia", primeiro verso do “Primeiro Poema de Madrid” do livro Transporte no Tempo, seria o mote para uma sessão sobre a poesia do grande Poeta Ruy Belo no dia 15 de maio de 2013 e que teria como convidada de honra a Dr.ª Maria Teresa Marques Belo, a sua “única viúva”- um encontro proporcionado pela Vereadora da Educação e Cultura de Rio Maior, Dr.ª Sara Fragoso.

Dado o avançado da hora, a ideia comum mas que ninguém ousava avançar era a de que já não viria. Maria Teresa, como preferiu ser chamada, chegou ao Centro Escolar Poeta Ruy Belo, assim batizado em homenagem ao mais ilustre filho da terra, com cerca de uma hora de atraso que atribuiu ao rebuliço chuvoso da capital, mas deteve-se sem pressas numa pintura no átrio do edifício que dá as boas vindas a todos os que chegam: “Se foste criança diz-me a cor do teu país/ Eu te digo que o meu era da cor do bibe/ e tinha o tamanho de um pau de giz/” Quis saber que boneca era aquela que ladeava estas “proposições com crianças”. Apresentámos-lhe a Bela, a mascote e logótipo do Centro de São João da Ribeira e também da Biblioteca Escolar… E Bela, em homenagem a Belo… foram as crianças que escolheram, houve uma votação e tudo… Maria Teresa fez um sorriso tão inocente e tão feliz que imediatamente vislumbrámos a menina que habitava nos seus cerca de setenta anos.


 
A sessão começou com uma sucinta descrição dos factos sumários da vida e obra de um dos maiores poetas da segunda metade do século XX, após o que se iniciou uma tentativa de definição dessa “arte pouco significativa no nosso tempo” a que chamamos poesia ou género poético.

Segundo Sophia, “Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso.” E António Aleixo explicava: “Os meus versos o que são?/ Devem ser, se os não confundo,/ pedaços do coração/ que deixo cá neste mundo./” Para Ruy Belo porém “a poesia é, ao fim e ao cabo, uma aventura da linguagem”. Em “Prince Caspian” Belo descreve essa aventura como “…uma loucura de palavras/espectáculo de folhas e poema/”. Para Ruy belo, o poeta é alguém que “ombro a ombro com os oprimidos”, “empunha a palavra como uma enxada, como uma arma”, “alguém que procura na linguagem um contorno para o silêncio que há no vento, no mar, nos campos.” E nesta asserção se conclui que Ruy Belo o foi de corpo inteiro a partir do momento em que fez da poesia a sua maior razão de viver e que imolou o seu“coração à palavra”.

“ A muito poucas pessoas que não eu deve - assim o espero- importar a minha vida particular, coisa que não gostaria de ter mas que afinal tenho,…” escreveu em tempos Ruy Belo, mas estava enganado. Para as crianças que queriam ver de perto a mulher que conviveu intimamente com o Poeta, esse ser assombroso com um pé nas estrelas mas ligado pelo sangue à terra, o mais importante não era conhecer o percurso académico de um doutor em direito canónico e licenciado em Filologia Românica. Era ela então a musa inspiradora de todos os seus versos? Não, o Ruy, para ela era apenas o Ruy, disse como que justificando aquelas intimidades com o Poeta, teve outras musas, o que também faz parte da liberdade do poeta, do seu direito a viver outras paixões ainda que platónicas. As crianças, ainda pouco familiarizadas com o conceito de sujeito poético, coçaram o nariz. Com a sua candura e paciência burilada por muitos anos de experiência como Professora, Maria Teresa lá as convenceu, com palavras simples, de que o poeta é, de facto, um fingidor.


Quais os poemas que lhe dedicou? “Elogio a Maria Teresa” foi um deles. Qual o seu poema ou poemas favoritos? “Muriel” e “Tu estás aqui”. Quais as profissões de Ruy Belo? Advogado, Ensaísta, Tradutor, Chefe de Redação da Revista Rumo, Diretor Literário da Editorial Aster, Professor, mas sobretudo Poeta! Quantos livros publicou, e quando, e onde, e em verso ou em prosa? As crianças não baixavam os braços e as perguntas sucediam-se em catadupa. A tudo Maria Teresa respondia com prazer, com sinceridade, satisfeita com o retorno que as crianças lhe devolviam. Como é viver sem o Ruy? Perante esta pergunta Maria Teresa calou-se, passou o olhar pelos livros que cobriam as estantes da Biblioteca e depois, sempre a sorrir, respondeu que devemos continuar a viver… e que uma das formas de mitigar as saudades é precisamente lendo a sua poesia. Infelizmente não houve tempo para saber tudo o que queríamos saber da vida particular do Ruy e da Teresa.
Os alunos do 4.º E, do 3.º C e do 3.º C en guise de homenagem à viúva de Ruy Belo preparam-lhe um pequeno recital de poesia onde foram declamados, entre muitos outros, e sem tropeçar nas letras, “Povoamento”, “Missa de Aniversário”, “Compreensão da árvore”, “Poema quase apostólico” de Aquele grande rio Eufrates; e “José o homem dos sonhos”, “E tudo isso era possível”, “O valor do vento” do livro Homem de Palavra(s).

De tantos versos lavrados no papel, palavras houve que ficaram longamente a retinir no espaço da Biblioteca: “morte, deus, folhas, homem, árvore, estações, primavera, palavras, chuva, cidade, manhã, dia, crianças, infância, coração, pássaros, mar. E o lexema “deus” muitas vezes com letra pequena, seguindo o desejo de mais um vencido do Catolicismo, de que “palavra alguma levante a cabeça no meio da frase, por mais carregada de sagrado que a história no-la tenha feito chegar”.
E solidão, muita solidão. A solidão do homem no meio da cidade. Sem dúvida a solidão terrível do homem que tem “o destino da onda anónima morta na praia”, que “vai só” e “não tem ninguém”. E a morte, sempre a morte, “o pensamento de deixarmos atrás de nós um corpo/ lembranças nossas em alguém vazios os lugares onde estivemos/”. A verdade é a morte e a morte é a verdade?

Uma outra surpresa reservada para a convidada foi a ilustração dos poemas recitados a partir da interpretação pessoal de cada um dos alunos do 4.º E. Maria Teresa voltou-se para trás e fez uma expressão de surpresa maravilhada como quem acaba de receber um tesouro. E de repente foi fácil vê-la como o poeta a viu: “… uma graça inesperada/ a surpresa da corça ou restos dessa raça/ que há em ti talvez um pouco mais que nas demais mulheres/ expressão sempre surpreendente da surpresa/ mesmo até para quem te conhece tão bem como eu te conheço/”.
Estávamos todos rendidos a Maria Teresa. Enquanto visitava as instalações algumas crianças correram atrás dela e entregaram-lhe poemas pueris onde viúva rimava com uva. Maria Teresa guardou-os cuidadosamente na carteira e disse: “Já tenho poemas!”! E depois riu com aquele riso claro que a água imita.
 
Na visita a São João da Ribeira estava ainda previsto um périplo pelos locais da infância de Ruy Belo. Junto à antiga escola primária que o poeta frequentou, e que agora também acolhe casamentos e batizados, não foi difícil regressar a um passado antes da morte. Assim que chegou Maria Teresa exclamou para a amiga que a acompanhava, “Vês Manaíra, gira a borboleta que se atira ao ar!” Certamente referia-se ao famoso poema Vat 69: “da torre que de sombra cobria a nossa infância:/ rodas no adro-gira a borboleta que se atira ao ar-/ jogo de berlinde o trinta e um/ pedradas nas cabeças nos ninhos nas vidraças/”.

Alguns dos versos do poema “ Quero só isso nem isso eu quero” do livro Toda a Terra decalcados num singelo painel de azulejo decoravam a fachada do edifício recuperado. Maria Teresa lamentou o facto de que um dos versos mais longos, que deveria começar a meio da linha seguinte, tivesse sido assumido como um novo verso. Um pormenor dirão muitos, mas a prova de que passados mais de trinta e cinco anos da sua morte, esta mulher “simples recôndita e surpreendente” sobre quem recaiu o nome do poeta, continua tão presente na sua morte como sempre esteve na sua vida. “…tu trocaste/a tua alegre vida irrequieta/ no único infeliz dos teus negócios/ por um poeta pobre velho e feio como eu/” e “Só tu me acompanhaste súbitos momentos/ quando tudo ruía ao meu redor/ e me sentia só e no cabo do mundo/” escreveu Ruy Belo em “Elogio de Maria Teresa” no livro Transporte no Tempo.

E com a graça inesperada da corça Maria Teresa pôs-se a apanhar flores silvestres, ali mesmo junto ao pátio da antiga escola, para de seguida as ir depositar na cama onde o Poeta dorme agora o seu "vasto sono horizontal". E de repente a paz: um cemitério embalado por colinas de verde e pelo silêncio do vento. Nenhuma outra identificação que não a sua própria poesia - “Trinta dias tem o mês/ e muitas horas o dia/ todo o tempo se lhe ia/em polir o seu poema/a melhor coisa que fez/ ele próprio coisa feita/ ruy belo portugalês/ Não seria mau rapaz/ quem tão ao comprido jaz/ruy belo, era uma vez./- lhe servia de epitáfio.  Extremamente discretos são os mortos, diria Belo.

A proximidade entre a escola e o cemitério encerrava uma ironia tão óbvia quanto esmagadora. E da sua cama austera que a terra tem vindo a reclamar para si, ouvidos mais atentos poderiam escutar a voz desta figura jacente: “Há entre as oliveiras sítio para o sol/ e a brisa da infância canta rindo nos ramos/entre o cheiro do giz e as canções da escola/ Deus é perto de mim como uma árvore.”.
O périplo culminou na visita à casa de infância de Ruy Belo, paredes meias com a antiga junta de freguesia de S.João da Ribeira, numa rua estreita que agora tem o seu nome. Que diria disto o Poeta, ele que que ironicamente escreveu em “Aquele grande rio Eufrates”: "vamos ao ponto de dar o nome de mortos às ruas/ como se os mortos não pudessem voltar a morrer/"? E em tempos também observou em Homem de Palavra(s): "Oh as casas as casas as casas/as casas nascem vivem e morrem/mudas testemunhas da vida/…elas morrem com a morte das pessoas/”. Determinada a contrariar esta sentença, Maria Teresa acalenta o sonho de transformar esta morada numa Casa-museu que pudesse também acolher escritores e estudiosos da obra de Ruy Belo, um sonho que dependerá das decisões do executivo municipal que poderá encontrar nela um polo de atração e desenvolvimento do próprio concelho.
 


 
Uma casa é a coisa mais séria da vida. Nas traseiras Maria Teresa apontou os resquícios da vida desta casa: a velha laranjeira carregada com “essas mesmas laranjas/ que mordemos em tempos ao chegar nas férias do Natal/”; a mina “onde molhámos nossos jovens pés/ e tirámos retratos para morrer mais uma vez/” e a grande figueira onde morreu o cão que teria tido direito a “sepultura com enterro e cruz e muitas flores/”; a adega e a casa do forno onde já não se sentia “o cheiro do jornal”…
Mas nesta quarta-feira sol dourado, a casa viveu e rangeu sob os nossos pés e na boca das crianças o Poeta regressou à terra onde um dia nasceu para nela morrer um dia para sempre. E à sua única viúva, o que poderemos dizer se não talvez, obrigada Maria Teresa, tu estiveste aqui!

Sandra Pratas e Sousa
Professora Bibliotecária

terça-feira, 23 de abril de 2013

Dia 23 de Abril - Dia Mundial da Poesia

EM LEGÍTIMA DEFESA


Sei hoje que ninguém antes de ti
morreu profundamente para mim
Aos outros foi possível ocultá-los
na sua irredutível posição horizontal
sob a capa da terra maternal
Choramo-los imóveis e voltamos
à nossa irrequieta condição de vivos
Arrumamos os mortos e ungimo-los
São uma instituição que respeitamos
e às vezes lembramos celebramos
nos fatos que envergamos de propósito
nas lágrimas nos gestos nas gravatas
com flores e nas datas num horário
que apenas os mate o estritamente necessário
mas decerto de acordo com um prévio plano
tu não só me mataste como destruíste
as ruas os lugares onde cruzámos
os nossos olhos feitos para ver
não tanto as coisas como o nosso próprio ser
A cidade é a mesma e no entanto
há portas que não posso atravessar
sítios que me seria doloroso outra vez visitar
onde mais viva que antes tenho medo de encontrar-te
Morreste mais que todos os meus mortos
pois esses arrumei-os festejei-os
enquanto a ti preciso de matar-te
dentro do coração continuamente
pois prossegues de pé sobre este solo
onde um por um perigo os meus fantasmas
e tu és o maior de todos eles
não suporto que nada haja mudado
que nem sequer o mais elementar dos rituais
pelo menos marcasse em tua vida o antes e o depois
forma rudimentar de morte e afinal morte
que por não teres morrido muito mais tenhas morrido
Se todos os demais morreram de uma morte de que vivo
tu matas-me não só rua por rua
nalguma qualquer esquina a qualquer hora
como coisa por coisa dessas coisas que subsistem
vivas mais que na vida vivas na imaginação
onde só afinal as coisas são
Ninguém morreu assim como morreste
pois se houvesse morrido tudo estava resolvido
Os outros estão mortos porque o estão
Só tu morreste tanto que não tens ressurreição
pois vives tanto em mim como em qualquer lugar
onde antes te encontrava e te possa encontrar
e ver-te vir como quem voa ao caminhar
Todos eram mortais e tu morreste e vives sempre mais


Ruy Belo

sábado, 9 de março de 2013

Exposição LER AZUL






Poemas retirados do livro Mar,

de Sophia de Mello Breyner Andresen


 
Atlântico
Mar
Metade da minha alma é feita de maresia.

Mar
De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,

Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

Espero

Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.
As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.


Dia do mar no ar
Dia do mar no ar, construído
Com sombras de cavalos e de plumas

Dia do mar no meu quarto-cubo
Onde os meus gestos sonâmbulos deslizam
Entre o animal e a flor como medusas.

Dia do mar no ar, dia alto
Onde os meus gestos são gaivotas que se perdem
Rolando sobre as ondas, sobre as nuvens.
Barcos

Dormem na praia os barcos pescadores
Imóveis mas abrindo
Os seus olhos de estátua
E a curva do seu bico
Rói a solidão.

Praia

As ondas desenrolavam os seus braços
E as brancas tombam de bruços.
Lusitânia

Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma aguda faca
E proa negra dos seus braços
Vivem de pouco pão e de luar.
 
 Ondas
 
Onde-- ondas-- mais belos cavalos
Do que estes ondas que vóis sois
Onde mais bela curva de pescoços
Onde mais bela crina sacudida
Ou impetuoso arfar no mar imenso
Onde tão ébrio amor em vasta praia.